Racionalismo e empirismo
“No que se refere à ciência e à
filosofia, a síntese medieval culminou com o sistema abrangente de
Tomás de Aquino. O racionalismo escolástico estava unido ao
misticismo cristão e o conhecimento dos gregos estava amoldado aos
ensinamentos da Igreja, formando uma imagem do universo. As causas
finais estavam por trás de cada processo da natureza. Uma
inteligência divina permeava tudo. E a vontade de Deus, apesar de
incompreensível em seus detalhes, proporcionava racionalidade e
sentido a todas as coisas”. (Werkmeister, 1940, tradução
nossa). O texto do pensador americano Werkmeister proporciona uma
clara imagem do paradigma teológico-filosófico que vigorou durante
a maior parte da Idade Média. Todavia, o Renascimento inauguraria
uma nova mentalidade, uma maneira diferente de enxergar o universo,
já bastante influenciada pelo princípio de desenvolvimento das
ciências naturais. Um dos primeiros cientistas-filósofos da época
(ainda não havia clara distinção entre ambas as ciências),
Bernardino Telésio, é um típico representante da nova mentalidade
empírico-científica da época. Segundo Höffding, Telésio
considerava que mesmo o mais alto e mais perfeito conhecimento
simplesmente consistia na habilidade de descobrir atributos e
condições desconhecidas do fenômeno, através de suas
similaridades com outros casos conhecidos. Ou seja, novas descobertas
devem ser feitas empiricamente, baseadas na observação dos
fenômenos da natureza, como já ensinava Aristóteles.
É neste ambiente cultural que o
empirismo e o racionalismo moderno se desenvolvem. Um dos grandes
precursores do empirismo – e por sinal também um dos ideólogos do
moderno método
científico – foi Francis Bacon (1561-1626).
Dizia ele que todo conhecimento tinha que ser baseado em dados da
experiência. As informações, no entanto, deveriam ser reunidas
e utilizadas de acordo com um método, de modo a possibilitar fazer
inferências cientificamente aproveitáveis.
Os sucessores intelectuais de Bacon
foram os empiristas ingleses, dos quais os principais representantes
eram Thomas Hobbes (1588-1674), John Locke (1632-1704), George
Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711-1776). O ponto de partida das
investigações destes filósofos não foram os problemas do ser, mas
do conhecer. No entanto, enquanto filósofos continentais (os
racionalistas) encaram o problema do conhecimento a partir das
ciências exatas, os empiristas voltam-se para as ciências
experimentais. O próprio ambiente cultural e sócio-econômico da
Inglaterra da época coopera para tanto, já que ocorria um grande
florescimento das ciências experimentais – botânica,
astronomia, química, mecânica, etc. Seguindo a linha de
raciocínio das ciências experimentais, o empirismo parte de fatos,
eventos constatados pela experiência. Agindo assim, chega à
seguinte problemática epistemológica: como, partindo da experiência
sensível, é possível chegar às leis universais? A solução
encontrada pelos filósofos foi a de que partindo do pressuposto de
que todo o conhecimento é originário da experiência, conclui-se
que mesmo as idéias abstratas e as leis científicas têm a mesma
incerteza, instabilidade e particularidade do conhecimento empírico.
A alma (a mente) não possui idéias inatas, como afirmava o
racionalista Platão. As impressões, obtidas pela experiência, isto
é, pela sensação, percepção e pelo hábito, são direcionadas à
memória e desta – através de um processo de associação de
idéias, segundo o filósofo Hume – formam-se os pensamentos. O
próprio hábito de associar idéias, pela diferenças ou
semelhanças, forma a razão, ainda segundo Hume. A mais famosa tese
do empirismo, desenvolvida por John Locke, é a da tabula rasa. Com
este conceito o filósofo queria dizer que ao nascermos não temos
nenhum princípio ou idéia inata e tudo que aprendemos e processamos
em nossa mente provêm das experiências feitas durante a vida.
A escola racionalista, inaugurada
por René Descartes (1596-1650), tem um posicionamento diferente em
relação à maneira como é adquirido o conhecimento. Vivendo em um
ambiente diferente dos empiristas, assolado por guerras (Guerra dos
30 anos de 1618 a 1648) e perseguições religiosas (Massacre de São
Bartolomeu em 1572), os filósofos racionalistas foram mais
apegados a conceitos imutáveis, como os das ciências teóricas
(matemática e geometria). Para os filósofos racionalistas,
cujos representantes principais foram Descartes, Nicolas Malebranche
(1638-1715), Baruch Espinosa (1632-1677) e Leibniz (1646-1716), é
necessário descobrir uma metodologia de investigação filosófica
sobre a qual se pudesse construir todo o conhecimento. A resposta a
esta questão, encontrada por Descartes, foi que o conhecimento
válido não provem da experiência, mas encontra-se inato na alma.
Em relação ao método para atingir este conhecimento, o filósofo
francês propõe colocar em dúvida qualquer conhecimento que não
seja claro e distinto. Este conhecimento pode ser obtido através da
análise racional, com a qual é possível apreender a natureza
verdadeira e imutável das coisas. Trata-se, de certa forma, de uma
reedição do platonismo, possibilitando a metafísica e a aceitação
de uma moral baseada em princípios tidos como racionais e
universalmente válidos.
A solução de Kant
A dicotomia entre racionalismo e
empirismo perpassa toda a filosofia dos séculos XVII e XVIII. A
possibilidade do conhecimento efetivo e absoluto, afirmado pelos
racionalistas e negado pelos empiristas é estudada detalhadamente
pelo filósofo Immanuel Kant (1724-1804). Este teve sua atenção
despertada para o problema do conhecimento após ler a obra do
empirista Hume, que, segundo o próprio Kant, o acordou do “sonho
dogmático”. A solução para a oposição entre o racionalismo e o
empirismo foi chamada por ele mesmo de “Revolução copernicana da
filosofia”, numa referência à revolução paradigmática feita
por Copérnico
na astronomia, que mudou nossa visão do mundo e de sua posição no
universo.
De certo modo, Kant motrou
que tanto os inatistas (os racionalistas, que consideravam certas
idéias inatas na alma) quanto os empiristas estavam certos em alguns pontos e equivocados em outros. Ou
seja, os conteúdos do conhecimento não eram 100% inatos nem 100% adquiridos pela experiência.
Kant postula que a razão é inata, mas é uma estrutura vazia e sem conteúdo, que não depende da experiência para existir. A razão fornece a forma do conhecimento e a matéria é fornecida pelo conhecimento. Desta maneira, a estrutura da razão é inata e universal, enquanto os conteúdos são empíricos, obtidos pela experiência. Baseado nestes pressupostos, Kant afirma que o conhecimento é racional e verdadeiro.
Kant postula que a razão é inata, mas é uma estrutura vazia e sem conteúdo, que não depende da experiência para existir. A razão fornece a forma do conhecimento e a matéria é fornecida pelo conhecimento. Desta maneira, a estrutura da razão é inata e universal, enquanto os conteúdos são empíricos, obtidos pela experiência. Baseado nestes pressupostos, Kant afirma que o conhecimento é racional e verdadeiro.
Todavia, segundo o filósofo, não
podemos conhecer a realidade das coisas e do mundo, o que ele chamou
de noumeno, “a coisa em si”. A razão humana só pode conhecer
aquilo que recebeu as formas (cor, tamanho, etc.) e as categorias
(elementos que organizam o conhecimento) do sujeito do conhecimento,
isto é, de cada um de nós. A realidade, portanto, não está nas
coisas (já que não as podemos conhecer em última análise), mas em
nós. Assim, vemos o mundo “filtrado e processado” pela nossa
razão, depois que as percepções passaram pelas categorias.
Efetivamente, depois de Kant a
Teoria do Conhecimento tomou um rumo bastante diverso daquele do
racionalismo e empirismo originais. A solução dada ao tema pelo
filósofo de Königsberg não eliminou as discussões, mas deu-lhes
uma profundidade muito maior.
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