Um dos aspectos mais marcantes e polêmicos do pensamento de Nietzsche é o da tragicidade do real. Todavia, ser trágico não significa ser essencialmente ruim ou mal. Estamos acostumados a pensar a palavra tragédia como algo negativo e que representa sempre uma perda. O diálogo abaixo mostra esse significado comum da palavra.
- Houve uma tragédia. Disse o comissário
- Como assim? O que houve?! - Perguntou a mãe aflita
- Seu filho estava naquele trem...- respondeu
Porém, a única perda que a realidade trágica assume em si é o da certeza sobre as coisas e sobre o sentido da vida. E no caso de Nietzsche e do seu pensamento trágico, essa certeza se estende às certezas advindas de Deus, mas também não poupa a ciência, ou o seu otimismo científico ao submeter toda a realidade à lógica da racionalidade.
Segundo Nietzsche, de um lado a Vontade divina segue alheia aos acontecimentos humanos e não espera nada deles assim como não se conecta com eles; de outro lado os acontecimentos positivos da ciência não trazem um sentido à vida melhor do que a própria vida em si de modo que possam um dia poder controlá-la.
Isso torna a Realidade uma afirmação do presente como confluência (encontro) de toda a energia da vida, seja ela na forma de tristeza ou de felicidade. O trágico não é perda nem ganho. O trágico simplesmente é algo que considera a realidade um acontecimento (ou uma sequência de acontecimentos) sem um sentido maior que a própria vida ou maior que a própria realidade.
Assim, uma possível lógica trágica se traduz em:
A = A , ou O Ser é o que é. A vida é o que é. A realidade é ela mesma.
O aspecto indigesto disso é que toda a tentativa de se negar a vida em prol de uma outra vida é algo em vão que, mais cedo ou mais tarde, será atropelado pela própria vida/realidade. Assim, todo sentido e valor que por ventura pareça conduzir a realidade a algo melhor (ou pior) que a própria vida/realidade, é sempre um artifício criado pelo ser humano para se esquivar da própria vida.
O aspecto caótico que nos cerca não é necessariamente algo fadado à destruição. Dizer que o sentido da vida é a sua própria destruição é conferir a ela um sentido. Ora, mesmo um sentido ruim não deixa de ser um sentido e isso é algo que não se aplica ao pensamento trágico nietzscheano. Este caos é apenas um indicativo de que não há certezas maiores do que a própria vida/realidade nos propõe.
Desta forma, viver é um jogo onde há duas posições bem claras, a da resignação e da criação.
Resignar-se
Significa aceitar a certeza da morte e viver vida nesta espera para o nada. O nada torna-se presente, pois não se vive, se espera. Diante da consciência de que nada pode ser feito diante do absurdo que é a vida e suas incertezas, o homem então passa a esperar pela única coisa que ele tem certeza: a sua própria morte.
Vida = espera = morte
Enquanto esse encontro com a morte não ocorre, o curso da vida resignada é restrito à auto conservação que inclui os rituais diários de afirmação da morte como se fosse uma antecipação da mesma. Assim, uma forma decadente de vida se configura e todo dia morre-se um pouco. A vida torna-se uma dança entediante que se desenvolve sem música e rumo ao seu próprio fim. Se Nietzsche condena o sentido da vida, este aparece de forma decadente na resignação do niilismo, pois:
Se não temos forças contra a morte, então que a força que nós temos seja a força da própria morte.
Criar-se
A criação é uma nobre atitude humana diante da vida, pois a torna viva e intensa e afirmativa:
Que venha o pior! Pois o que não me mata me fortalece!
A vida , por ela mesma e desprovida desse impulso criativo, é nada mais que a trilha certa para a morte como vimos anteriormente, uma vida "morta". A criação insere vida na própria vida uma vez que ela se ressignifica e sai do seu mero ciclo biológico e cotidiano de automanutenção em busca de uma vida que
valha a pena ser vivida para sempre
É quando a vida torna-se uma obra prima, e transcende a prisão do seu destino que caminha para a morte. Na vida trágica que evolui para uma vida arte, a morte é apenas um detalhe e não o seu objetivo maior.
Desta forma, é este quadro trágico de incertezas o qual estamos inseridos que nos move à superação de nós mesmos. Diante do nada nos resta apenas nos entregarmos ou, ao contrário, assumi-lo como ponto de partida para vida e todo o potencial criativo que ela representa. A morte permanece no seu mesmo insignificante lugar: no fim. Mas antes disso existe breve espaço de tempo destinado à criação e ao cuidado da vida como arte dela mesma.
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